Vem da terra o sumo que
alimenta a vida. Ou a gente respeita isso ou nos arvoraremos como a espécie
que destruiu o que os antepassados nos legaram com tanta generosidade.
O candomblé nos ensina a
vivenciar essa relação como uma amizade sincera entre cada ser humano e o nosso
meio ambiente. Cada pedaço de espaço está completamente condensado de energia.
Sempre que a gente esquece esse princípio e nos deixamos ser massificados pela
sanha da conquista que destrói, é essa força que estamos cutucando com vara
curta. Uma energia maternal que tem-nos mostrado o que acontece quando
intentamos ser maior que a amplidão do mistério que envolve essa perfeição que é
a existência da vida no planeta. O
candomblé, através de uma sabedoria que não cabe em nenhum livro, vai nos contar
que a circularidade do mundo canta & dança num compasso de quatro
elementos: Terra, Fogo, Água e Ar. Os orixás (Forças da Natureza) tem a
magnificência de nos ajudar a perceber como nós não podemos usar e abusar dessa
força contra nós próprios: no entanto, acima de tudo está Olodumaré e seu hálito
criador. Onisciente, silente, açambarcando nossa inércia nociva.
Essa cosmovisão africana há
tempos está com a gente, mas tem vindo ficar conosco de forma mais intensa nesse
momento em que estamos compartilhando a criação de uma proposta de contação de história
para o livro da Geranilde Costa, “A História do Rei Galanga”.
Bem, sendo a Ancestralidade
Africana a matriz que movimenta nosso fazer teatral, isso nos mostra outro
caminho que não aceita cristalizar a escrita e a leitura como exclusivas do
processo da comunicação humana. Faz tempo que a civilização dos Dogon, no Mali, sabiamente afirma que "o ritmo é
a mãe das palavras (...)
todo ritmo musical produzido por um tambor pode ser traduzido em tipos que
representam a fala desse instrumento". Em outras palavras os Dogon estão
dizendo que o tambor foi a primeira tecnologia usada para as pessoas se
comunicarem.
Nem
precisamos dizer o quanto nosso Grupo Tambor de Rua se (co-move) com essa
sabedoria dos Dogon. (Co-Move) significa dizer é comovido por esse ensinamento que,
ao final, vai afirmar em alto & bom som: Tambor Fala! (Co-move) é o mesmo que
desencadear todo um processo de trabalho conduzido não pela lógica racional-monológica,
mas, sobretudo, pela emoção & sensibilidade do movimento em ritmo. A
Ancestralidade Africana se estrutura na religião que, por sua vez, não trabalha
com a ideia de dogma religioso e nem verdade imutável. Essa mesma religião – bússola
da vida – vai se assentar no prazer da festa, pois esta encerra todos os
elementos da participação social. A mesma Festa dos tambores sempre que os orixás
comungam com o corpo das pessoas iniciadas na religião, no momento do Xirê. Sem esquecer
que toda essa relação de intimidade dos orixás e o corpo d@s iniciad@s só é
possível porque os tambores foram festivamente mobilizados pelas mãos dos alabês.
Dizem os antigos, “palavra de orixá é som de tambor”. Aqui sempre mora a
possibilidade de outras palavras, infinitas possibilidades. Bem dizem os Dogon,
“tambor, fala!”