sábado, 31 de março de 2012

A História do Rei Galanga


Vem da terra o sumo que alimenta a vida. Ou a gente respeita isso ou nos arvoraremos como a espécie que destruiu o que os antepassados nos legaram com tanta generosidade. 

O candomblé nos ensina a vivenciar essa relação como uma amizade sincera entre cada ser humano e o nosso meio ambiente. Cada pedaço de espaço está completamente condensado de energia. Sempre que a gente esquece esse princípio e nos deixamos ser massificados pela sanha da conquista que destrói, é essa força que estamos cutucando com vara curta. Uma energia maternal que tem-nos mostrado o que acontece quando intentamos ser maior que a amplidão do mistério que envolve essa perfeição que é a existência da vida no planeta.  O candomblé, através de uma sabedoria que não cabe em nenhum livro, vai nos contar que a circularidade do mundo canta & dança num compasso de quatro elementos: Terra, Fogo, Água e Ar. Os orixás (Forças da Natureza) tem a magnificência de nos ajudar a perceber como nós não podemos usar e abusar dessa força contra nós próprios: no entanto, acima de tudo está Olodumaré e seu hálito criador. Onisciente, silente, açambarcando nossa inércia nociva.

Essa cosmovisão africana há tempos está com a gente, mas tem vindo ficar conosco de forma mais intensa nesse momento em que estamos compartilhando a criação de uma proposta de contação de história para o livro da Geranilde Costa, “A História do Rei Galanga”.

Bem, sendo a Ancestralidade Africana a matriz que movimenta nosso fazer teatral, isso nos mostra outro caminho que não aceita cristalizar a escrita e a leitura como exclusivas do processo da comunicação humana. Faz tempo que a civilização dos Dogon, no Mali, sabiamente afirma que "o ritmo é a mãe das palavras (...) todo ritmo musical produzido por um tambor pode ser traduzido em tipos que representam a fala desse instrumento". Em outras palavras os Dogon estão dizendo que o tambor foi a primeira tecnologia usada para as pessoas se comunicarem.  

Nem precisamos dizer o quanto nosso Grupo Tambor de Rua se (co-move) com essa sabedoria dos Dogon. (Co-Move) significa dizer é comovido por esse ensinamento que, ao final, vai afirmar em alto & bom som: Tambor Fala! (Co-move) é o mesmo que desencadear todo um processo de trabalho conduzido não pela lógica racional-monológica, mas, sobretudo, pela emoção & sensibilidade do movimento em ritmo. A Ancestralidade Africana se estrutura na religião que, por sua vez, não trabalha com a ideia de dogma religioso e nem verdade imutável. Essa mesma religião – bússola da vida – vai se assentar no prazer da festa, pois esta encerra todos os elementos da participação social. A mesma Festa dos tambores sempre que os orixás comungam com o corpo das pessoas iniciadas na religião, no momento do Xirê. Sem esquecer que toda essa relação de intimidade dos orixás e o corpo d@s iniciad@s só é possível porque os tambores foram festivamente mobilizados pelas mãos dos alabês. Dizem os antigos, “palavra de orixá é som de tambor”. Aqui sempre mora a possibilidade de outras palavras, infinitas possibilidades. Bem dizem os Dogon, “tambor, fala!”   

quinta-feira, 22 de março de 2012

Alto-Falante: Quando o Corpo Dança Toca o Tambor do Pensamento

Oficina com Wellington Pará...

“Os africanos tocam a vida Cantando”

A oficina vai se assentar na ideia de buscar a teatralidade que habita em nós. Essa compreensão vai pautar o chão sagrado que nós vamos trilhar para parir nossa cosmovisão afrodescendente de produzir uma prática teatral que nos comtemple por inteiro. Na verdade, (Fecundar) nossa didática encharcada de Ancestralidade Africana; daí porque a proposta que da vida ao trabalho, nasce do princípio da (fecundidade & procriação) como valores sagrados na CULTURA TRADICIONAL. A cultura da ancestralidade africana vai sempre privilegiar a possibilidade de circularidade nos descendentes. Os brinquedos-dançantes que vitalizam o processo dos nossos encontros apontam para a possibilidade de uma educação em teatro que não nos agrida nem nos oprima por sermos quem somos, ou seja, o Teatro do Encantamento da Ancestralidade Africana é a realização concreta do tamborilar que (canta & dança & diz) ser plenamente possível fazer teatro para além das muralhas gregas. 

No que se refere ao resultado final da oficina, a relação [Brincantes & Participantes] – a essência do teatro de rua – vai se estabelecer a partir dos “brinquedos-dançantes” utilizados na oficina interna com os brincantes. Isso objetiva explicitar os caminhos e encruzilhadas possíveis! A intenção é creditar aos “brinquedos-dançantes” a força vital que ludicamente mobiliza o essencial do CORPO, a fim de desencadear uma expressão teatralizada que DANÇA e faz TOCAR o TAMBOR do Pensamento. 

Esse deverá ser mais um momento em que nos conectaremos em ligação direta com o jeito africano de expressar as coisas da vida: dança, canto, festa e...MÁSCARA! Segundo Ana Cristina da Cunha Lins “o africano vê na máscara uma possibilidade de participar da multiplicidade da vida, criando novas realidades fora daquela meramente humana. Mascarado, ele poderá ser também um homem-espírito, benéfico ou maléfico, homem-animal, homem-divindade. Isto representa uma real possibilidade de existir de outra maneira, possibilidade admitida e reconhecida: de fato ninguém duvida do poder transfigurador da máscara”.

Além de toda essa riqueza, a MÁSCARA é quem vai possibilitar aos mais tímidos uma “proteção”. Na verdade seria melhor dizer (revelação) de sua emoção e sensibilidade ainda utilizadas como forma de defesa. Realmente trata-se de um ritual de iniciação. @s tímid@s, transfigurad@s pela força e magia das máscaras, entram num diálogo profundo consigo mesm@ para emergirem de lá renovad@s.

“Alto-Falante: Quando o Corpo Dança Toca o Tambor do Pensamento” passa a ser a crença na nossa própria palavra, necessariamente a festa que brinca de reinventar o que nos toca mais profundamente. Fazer teatro é a liberdade de também (engravidar – parir – criar) nossa Pedagogia do Baobá, porque “quem sabe de mim sou eu”. É por isso que criamos um oriki que diz: (o teatro que não está em mim não está comigo). Código de acesso ao processo. Vamos nessa!?